Círculo Vicioso

Eram às dez da manhã de segunda-feira, quando Márcio começava os trabalhos de manutenção na sub-estação elétrica. Ele ainda estava letárgico do churrasco do fim de semana. O trabalho era apenas ligar dois fios, depois era buscar se esconder do chefe até a hora do almoço.
Retirou a fita isolante e ligou o fio vermelho. Tirou a do fio preto, quando o álcool do fim de semana deixou de fazer efeito. Sua mão tremeu e encostou os dois fios. O clarão que formou, digno de um flash de paparazzo, veio seguido de uma escuridão da sala.
Longe dali, no centro de operações, o breu contrastava com sirenes de emergências, com as buzinas e com o frenesi dos operadores da produção e com a cara amarrada do gerente.
Agenor, supervisor da manutenção, do seu seu 1,55 metro vivia de cara amarrada. Os peões o apelidaram de Zangado. Na escola seu apelido era Banquinho, por ser menor que os bancos de madeira e ainda andar com uma perna mancando.
Ele abriu a porta da sub-estação num rompante. – Que merda que você fez aqui? Porra, parou a produção toda! Márcio de cabeça baixa e a mão suando explicou o que fizera.
— Então, termina de ligar essa porra logo, para a podermos religar a energia da fábrica.
— Sim senhor, responde de cabeça baixa, Márcio
— E você vai tomar uma advertência pelo seu relaxo. Onde já se viu! Você é ele eletricista ou o quê? Não sabe que se vacilar você vira churrasco? Falava cuspindo uma chuva de raiva, Agenor.
— Sei senhor.
— Então faz esse trampo direito e termina logo. Porra e ainda é segunda-feira de manhã. Agenor sai batendo a porta sub-estação.

 

***

 

Márcio chega em casa. Já era depois das oito da noite. Marilu e o filho, esperam ele assistindo televisão.
– Oi amor, que bom que você chegou. Como foi seu dia? Estava com saudades.
Ele não responde.
— Nossa, que cara, amor. Aconteceu alguma coisa?
— Não enche Marilu!
— Vixi, que stress.
— Claro, não para de falar. Será que posso jantar em paz?
— A comida está no prato, dentro do microondas. Deve tá fria.
— Então esquenta, enquanto vou tirar o sapato.
A caminho do quarto passa pelo filho sentado no sofá vendo tv.
— Já fez o dever de casa Lucas? O menino não responde.
Márcio desliga a tv. — To falando com você. Me responda o que te perguntei. Já fez a lição de casa?
O menino abaixa a cabeça.
— Vai fazer a lição, moleque preguiçoso.
— Calma Marcos, ele já fez a lição. Precisa tratar ele assim? Ele é seu filho.
— Por isso, mesmo. Não vou dar moleza não. Para de me encher. Esquenta a comida, ou…
— Ou o quê? Vai me bater é? Eu, hein. Deixa teus problemas no seu trabalho lá. Não vem descontar na gente não. Se vira com sua janta.
— CALA A SUA BOCA. Grita Márcio enquanto bate a porta do quarto, atrás de si.

 

***

 

Do outro lado da cidade Agenor chega em casa. Carla conversa ao celular com o copo de uísque repousando na esteira sobre o braço do sofá de chaise e a gata Marilu deitada sob seus pés.
— Até amanhã amiga. Às duas da tarde na clínica. Tchau!
— Isso são horas, Agenor? Resolveu ir para gandaia na segunda?
Carla tem 1,8 metro e ele se sente pequeno perto dela.
— Não benzinho. Foi um problema lá no trabalho. Um filho da puta fez merda e eu tive que resolver.
— E ainda foi lerdo. Nem pra colher a merda dos outros tu presta, Agenor.
— Não benzinho, diz ele com um sorriso amarelo.
— Bem, pelo menos vou conseguir comprar uma bolsa nova com o dinheiro da sua hora extra. Você nem pra arrumar um emprego para me bancar. Aliás, quando é que tu vai arrumar um emprego para eu poder parar de dar aula?
Nunca, pensa Agenor. — To fazendo o meu melhor.
—Tá nada, senão você já tinha ao menos passado pra gerente. Amanhã depois da aula vou fazer a lipo na clínica daquela minha amiga. Deixa o cartão. Vou pagar com ele.
— Tá bem benzinho.

 

***

 

O sinal da primeira aula toca. Carla entra na sala, com seu mau-humor matinal. Sentia desprezo daquelas pestes, como ela dizia.
Senta na sua mesa e se lembra que não verificou se algum aluno aprontou pra ela. Sente uma gosma na cadeira. É graxa e vai manjar sua saia.
Ela urra de ódio e as conversas silenciam e algumas risadinhas são compartilhadas. Com um olhar sanguinário, ela busca o culpado. Aquele, ela pensa. É aquele ali que está fingindo que não tá acontecendo nada. Só pode ser ele. Ele é adora me confrontar durante as aulas.
— Já pra diretoria, ela grita.
O garoto levanta os olhos e tira um dos fones. — Tá falando comigo?
— Sim, diretoria. Ela fala e coloca as mãos no quadril.
—Tá louca, tia? Não fiz nada. Ele volta a olhar a tela do celular.
— Fez, sim. VAI PARA A DIRETORIA AGORA! Consternada ela puxa o celular dele e joga na parede.
Antes de se voltar novamente para gritar com ele, ela encontra o punho fechado dele quebrando seu maxilar. Ela cai desacordada mo chão. O silêncio e seguido de uma ensurdecedora algazarra.
— Caralho Lucas, matou a perua. Tu vai ser preso moleque.
— Matei nada, diz calmamente enquanto pega os pedaços de seu celular destroçado no chão. Porra, a fita era sua e ela vem me acusar e detonar meu celular.
A porta abre e os alunos se recompõe. Carlos o Inspetor pega Lucas pelo ombro.
— Diretoria. Senão vou chamar a polícia antes de seus pais chegarem.

 

***

 

— Lucas, o que aconteceu? Pergunta Val a diretora da escola.
— Eu tava de boa esperando a aula da Dona Perua começar e tava vendo meu celular, tá ligado. Ai, ela sentou numa meleca que os moleques colocaram na carteira dela. A Perua surtou e veio direto pra cima de mim. Me acusando sem prova, gritando, ai pegou meu celular e tacou na parede.
— Ai o sangue ferveu, Dona Val. Eu dei um soco na cara dela e ela desmaiou. É verdade o que to falando. As minas gravaram tudinho. Aquela perua é transtornada, Dona Val.
— Lucas, ele não é perua, é sua professora. Sei que ela tem seus problemas, mas você não pode sair batendo nas pessoas. Ela quebrou seu celular, eu sei, mas você tem que ser melhor que ela. Violência não resolve nada.
— Se não resolve nada, então, porque todo mundo é violento Dona Val?
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