A chegada a Puente la Reina depois da descida do Alto do Perdón, foi dramática. Muitas dores nos pés que me atrapalhavam até de pensar. No final da trilha, parei no primeiro albergue da cidade, o Jukie. Esse albergue é particular e possui diversas regalias que os peregrinos não encontram em outros albergues.
Por ser um dos primeiros a chegar, tive a vantagem de poder usar o banheiro sem presa. No banho, percebo que o pior aconteceu. A bolha na sola do meu pé, que além de estar enorme, estava puro sangue. Meu pé estava ensanguentado. Fui tomado de pânico e terror. Não fazia ideia de como tratar aquilo.
O albergue possuía um serviço de tratamento de pés e não pensei duas vezes em solicita-lo. Porém, eu não contava com duas coisas: a primeira que era sábado e sábado espanhol não costuma trabalhar. A segunda é que era feriado e um dia de festa na cidade. Não conseguiram contatar a mulher que tratava dos pés.
Resolvi então tratar eu mesmo as bolhas. Peguei as poucas gazes que tinha em meu kit de primeiros socorros e uma agulha e comecei a furar as bolhas. Depois dos primeiros minutos de estranheza, percebi que a situação não era tão horrível e que eu gastaria meu tão suado euro desnecessariamente.
Observei que se tivesse começado a tratar as bolhas no primeiro dia, em que elas surgiram, não teria chegado naquele estado horrível. A grande lição dos primeiros dias do Caminho é ouvir o corpo. No fluxo normal, não escutamos o corpo e quando nos damos conta estamos no leito de morte. É preciso ouvir o que o corpo no diz a cada momento. Nenhuma complicação aparece sem muitos avisos do corpo.
Após tratar as bolhas, fiquei sem nenhuma gaze. Eu precisava sair e busca-las em alguma farmácia. Para minha tristeza as farmácias ficavam do outro lado da cidade. Caminhei devagar até a primeira e estava fechada. A segunda, também. Preocupado, perguntei para uma velha senhora se havia mais alguma farmácia na cidade e ela disse que sim, porém, estava fechada.
A minha preocupação era que a capa da bolha saísse durante a caminhada do dia seguinte. No caminho de volta ao albergue encontrei um supermercado da rede Dia. Decidi ver se havia alguma seção de farmácia ali. Para minha surpresa não havia. Decidi ver se conseguiria improvisar uma gaze.
Encontro então numa prateleira, absorventes femininos. Depois de pensar um pouco decido levar um pacote e usa-lo no lugar da gaze. Comprei mais alguns itens de improviso e voltei para o albergue. Preparei um curativo com o absorvente e funcionou perfeitamente sobre as bolhas. Até amorteceu o impacto da caminhada.
Só me restou ir dormir naquele dia. Dormi feliz, depois de tantas superações e aprendizados num só dia.
foto: Puente La Reina