Um domingo na pólis da Higiene
Woke up, fell out of bed
and looking up I noticed I was late
Paul cantava em meu ouvido, enquanto eu tentava achar a escada que me levaria ao Paraíso. Engraçado que não temos nenhuma rua Tinhoso, Belzebu, ou Diabos da Pátria, mas temos uma Paraíso, mesmo nesse inferno. Domingos Jorge Velho poderia ser o Diabo da Pátria. Ao menos para os índios ele era.
Passo pela Catedral Ortodoxa e me recordo que meu dyado (vô) Jorge, não diabo do Jorge Velho, era dessa igreja. É uma pena ter ido ao Paraíso tão cedo, enquanto eu tão jovem e ele tão velho. Com certeza eu saberia mais dos cultos ortodoxos.
Na Lanchonete Milenar, Joílson punhos de aço me conta de suas lutas e me ensina técnicas para matar com as mãos (o que me deixaria longe do Paraíso, com certeza), enquanto degusto uma coxinha e uma coca gelada naquele calor infernal de domingo. Desconfio que aquele Paraíso não seja o verdadeiro.
Deixo 12 reais no balcão e me despeço de Joilson, rumo as disparidades da rua Vergueiro. Moradores de rua dormem na marquise do Centro Cultural. Na faculdade do outro lado da rua, mulheres deformadas pelo fisiculturismo competem por um pedaço de metal.
Entro no Centro Cultural e me deparo com as hiper-fotos de Raizer. Me vejo divagando frente a quadro Veduta, onde tantas casas e edifícios estão ali hiper colados. Penso que o metro jamais caberia numa foto daquelas, nem mesmo a Estação Higienopólis num domingo.
O celular vibra. É Júlia me chamando. Oi. Oi, está aonde? Aonde combinamos. Putz, acabei de acordar. São 13h. Estou cansada. A noitada foi boa. Você pode me encontrar em Higienopólis? Por quê? É mais perto de casa. Já estou perto da sua casa — afinal do subúrbio que venho, qualquer lugar ali é perto da casa dela. Por favor. Tá bom, tome seu café. Daqui a pouco estou aí. Recebo um emoji de língua de fora.
Desço a rampa em direção a biblioteca. Procuro os livros líquidos de Bauman. Sigo em direção as mesas do fundo. Passo por um senhor lendo o Guia Fuja de São Paulo no Fim de Semana e penso que ele devia ter lido isso na terça. Mais a frente uma chinesa estuda alemão, e o rapaz um assunto qualquer.
Bauman como sempre preciso, expõe de forma clara, como a sociedade transformou, humanos em consumidores e a vida num ir às compras sem fim. Penso que seria bom um vinho para continuar a leitura, mas lembro que estou na biblioteca. Júlia avisa que já esta a minha espera. Retiro o livro e retorno ao metrô sentido Vila Madalena.
Desço na Consolação que fica na Paulista em direção a Paulista que fica na Consolação. Entre estas anomalias do espaço-tempo, um alemão resgatou a planta de seu avô e construiu sua câmara de gás no coração da cidade. Penso que só pode ser essa a finalidade do projeto original que foi adaptado para baldeação. No Brasil tudo ganha um novo ressignificado, partindo o pote de sorvete com feijão.
Now that you’ve found your paradise
You just want to sit in your Shangri-la
Higienopólis. A cidade da Higiene. Me dou conta que nunca tinha colocado o pés ali. Como diz o Zeca é que nem caviar, nunca vi, eu só ouço falar. Penso que ali não é o Brasil. É um Shangri-la dos trópicos. Aqui foi onde o jeito brasileiro resolveu dar cabo de seu projeto de super raça. Uma raça tropicariana.
Olho no Maps para ver a direção da praça. Nas avaliações me deparo com o comentário: “é muito comum ver babás cuidando de bebês”. Caminho pela rua Piauí em direção a praça. Tenho medo. Não de ser assaltado, mas de ser enxotado. Vejo um Clio 2005 e fico um pouco mais aliviado. Percebo que a única semelhança deste Piauí do nordestino é o sol.
Chego a praça Buenos Aires. Pessoas com cútis europeia fazem piqueniques. Senhoras humildes aproveitam a alforria do domingo a tarde. Uma velha rica toma seu banho de sol. Chego no topo do parque e sento em um dos bancos livres. A minha esquerda uma biblioteca de geladeiras e uma sessão fotográfica de transboys. Do meu lado direito, um casal estuda violão. Outro tomam banho de sol de sunga e biquíni. Pensei que só na Guarapiranga a gente via essas breguices. E por fim um filosofo do povo e eu observamos a finitude do domingo na futilidade dos outros.
Júlia chega. Pede desculpas por não ter me encontrado aonde combinamos. Digo que está tudo bem. Conversamos enquanto o tempo passa lentamente. Nunca estive em Higienópolis. Nunca! — ela se espanta. Então vamos dar uma volta no bairro para você conhecer. Penso que não deve ser uma boa ideia. Descemos em direção a saída e no parquinho várias babás brincando com os filhos dos outros. É domingo.
Descemos em direção a rua da Bahia e avisto no parquinho várias babas brincando com os filhos, dos outros. Vejo o segurança pedindo um guincho, afinal estacionaram um Corsa 95 na vaga do SUV. Na Sergipe, a babá leva o bebê do casal enquanto um é só olhos para o cão e o outro para o celular. Leio o pensamento da babá. Pessoas que amam cachorros e detestam crianças possuem traços de psicopatias. Na Avenida Angelica não se vai de táxi ao mercado, mas de Camaro e se tem valet. Ali o Batalhão da PM saiu de um conto dos irmãos Grimm.
Júlia pergunta se quero comer algo, diz que tem um restaurante ali perto. Agradeço e digo que já almocei (a coxinha). Aliás, digo que preciso ir que ainda tenho coisas a fazer e moro longe, lá no subúrbio. Ela então me agradece pelo livro e diz para eu voltar com tempo outra hora. Digo que quem sabe outra hora. Nos despedimos e tomo o caminho do metro.
Na rua Piui, encontro o olhar triste de uma enfermeira no hall de um prédio. Me olha como quem pede ajuda. Se sente presa, assim como a velhinha e o deficiente mental na cadeira a sua frente. Cada qual preso de uma forma. Eu me sinto livre. Coloco o fone de ouvido e sigo em direção ao metrô.