A necessidade do desapego

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Após a passagem pela Cruz de Ferro, me sentia mais leve. Lá em cima deixei um grande fardo mental que carregava. As paradas seguintes em foram marcadas de uma leveza sem tamanho.

Em Molinaseca andei com um peregrino que andava com um cachorro que ele conheceu no Caminho. Em Ponferrada passei do albergue diretamente para o castelo que habitei em outra vida. Aqui também fiquei bêbado num menu peregrino de 10 euros e comprei um cartão de memória no Chino*.

Em Villafranca de Bierzo almocei num banco de praça, em Trabadelo dormi na mesma habitación que um casal de espanhóis transavam, só porque o mão de vaca não quis pagar mais 5 euros pelo quarto privado.

No outro dia pela manhã, encontrei uma senhora francesa defecando calmamente atrás do guard rail da rodovia. Descobri alguns quilômetros a frente, que essa caganeira era contagiosa. Tive que correr para o mato com um maldito desarranjo intestinal por inverter o suco de laranja com o café. Nunca beba o café e depois o suco de laranja, foi a lição do dia.

Em Vega de Valcarce onde fui me terminar o serviço na primeiro bar que achei em quilômetros, encontrei Paulo tomando seu café. Depois de me recompor, subi com Paulo até o mítico vilarejo celta de O Cebreiro. Não tivemos a mesma epifania de Paulo Coelho e decidimos andar um pouco mais. Em Fonfria reencontrei Ammie e enxugamos todas as garrafas de vinho do menu peregrino, do restaurante aquela noite. Ela não satisfeita comprou mais duas garrafas para continuarmos jogando conversa fora.

Acordei pela madrugada com um suador. Com receio de fazer uma cachoeira de vinho no beliche de cima do quarto comunitário, decidi que já era hora de caminhar. Japoneses e coreanos se preparavam para sair. Como estou sempre pronto, sai antes deles. Caminhando na escuridão, só parei quanto dei uma topada em uma vaca que saia aquela hora para ir trabalhar. Achei melhor pegar a lanterna na mochila para não assustar outras trabalhadoras naquela hora.

Viver aqueles dias somente com o que eu podia carregar nas costas e no coração, seguindo até onde meus pés podiam me levar, me fazia sentir vivo e livre. Mesmo com a rotina do dia (acordar, caminhar, lavar a roupa, cuidar dos pés, e organizar a mochila) era possível encontrar tempo para a alegria e a felicidade.

A felicidade não está atrelada ao que você tem, ao que você é, ou onde você está. Ela surge quando você está ali, uno, com mente e corpo vivendo o momento presente, juntas. A maior parte de nossas vidas, quase que em sua totalidade, estamos de corpo presente e mente ausente.

Trabalhamos pensando em casa. Em casa pensamos no trabalho. Se namoramos uma pessoa, desejamos outra. E se conquistamos a outra, começamos a desejar novamente a anterior. É preciso desapegar do desejo e estar por inteiro no presente, para só então entendermos a felicidade que é a de encontrar uma moita para defecar.


* Chino – é como os espanhóis se referem as lojas de produtos baratos chineses e que normalmente é comandada por um chinês.

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