Dia de visita

Dante olhava o horizonte que terminava na faixa cinza e branca da parede de bloco pré-moldado, quando escutou o clack do pesado ferrolho da cela.

O agente pediu para ele se levantar, mas Dante continuava abraçado aos joelhos olhando para o nada. O tapa na cara o tirou do estupor, o carcereiro vociferava para ele sair da cela. Não quer receber a sua visita, moleque do caralho? Vai andando.

Enquanto seguia pelo corredor de cabeça baixa, Dante pensava quem teria vindo visita-lo. Já fazia seis meses que estava detido e ninguém apareceu. Era o segundo domingo de maio e o sol estava agradável para um passeio lá fora.

Chegou ao ginásio, onde cadeiras de plástico estavam dispostas para receber aquela algazarra de saudades. Olhou para o agente que apontou a direção.

Na cadeira da frente, segurando seu terço , estava Dona Leocádia, aquela pernambucana arretada, costureira de mão-cheia, mãe de seis filhos e de Dante. Olhava para ele sem perder a conta.

Dante conhecia aquele olhar muito bem. Abaixou a cabeça, como um menino que fez coisa errada e sentou. Ela tinha o mesmo olhar do dia em que foi pego na porta de casa. Lembrou que o camburão acelerava para longe de sua vida e pelo vidro ainda via os olhos em chamas de sua mãe, que o fitava.

Ela avançou a conta. Já se passara dois eternos minutos e o silêncio imperava. Eu te criei com todo amor e sempre te disse pra não se meter em coisa errada. Por que Dante? Por quê? O que você tem na cabeça, meu filho? Ele seguia de cabeça baixa.

Vamos moleque responde. Não tenho o dia todo não. Por que você matou o sujeito? Oh! Teixeira, o gato comeu a língua do moleque. É delegado, na hora de matar sujeito não teve dó não, agora fica com essa cara de gato de botas pra gente. Porra moleque, colabora. Se eu me encher vou te mandar pra salinha e quero ver se você não abre o bico. O delegado Santana puxa Dante pela gola da camiseta.

As mãos tingidas de sangue agarravam na gola com toda força que ainda tinham. Breno o fitava com um olhar de desespero. Sabia que estava morrendo. Não se conformava que era por nada. “Por quê?” foram suas últimas palavras. O corpo esfriava, caído ali no beco, enquanto ele corria em fuga. Relógio, celular e carteira estavam presentes, quando a polícia chegou.

Encontrou com o Jaques, e conversavam sobre o sentido da vida quando o tema, morte, entrou no papo. Se questionavam como seria morrer, até que um deles propõe perguntar a alguém que estava morrendo, como era. Como era difícil encontrar alguém morrendo, talvez fosse mais fácil criar a hora da morte para alguém. Duvido você fazer isso, disse Jaques.

A conta do rosário avançou novamente. O silêncio era profundo. As visitas começavam a se retirar. O agente tocou no ombro de Dante avisando do fim da visita.

Dante quebrou o silêncio. Atirei naquele homem, só para vê-lo morrer, mas toda vez que é dia de visita sento naquela cela e choro. Feliz Dia das Mães.

Vlad

Published by
Vlad
Tags: prosa

Recent Posts

Carro J462

Já são 4 da tarde62 passageiros sentadosoutros 200 agarrados à própria sorte No balanço, desigualdadesidosos…

5 anos ago

Maçã e canela

Mate o Leão do dia após o chá.

5 anos ago

Sarau Literatura Nossa – 2020

Video da minha participação na gravação do Sarau Literatura Nossa que foi ao ar dia…

5 anos ago

Ponto de Vista – Miniconto

Eles tinham uma inclinação para pontos de vista diferentes.

5 anos ago

Finados

Feriado para lembrar de quem já esquecemosQuando se levam flores nunca dadasQuando se falam palavras…

5 anos ago

A voz

Escuto vozes em minha mente de coisas que aconteceram antigamente Escuto vozes nas ruas com…

5 anos ago

This website uses cookies.