Foto de Paco Rodrigues (2017)
A chegada a Sarria, marcava a etapa final do caminho. Além de ser a entrada na Galícia, representa os últimos cem quilômetros da caminhada e onde as rotas começam a se interligar ao Caminho Francês, para que todos cheguem a Catedral descendo pela Praza* Cervantes, até a Praza* do Obradório.
Este trajeto até Santiago, é também percorrido por aqueles que tem pouco tempo disponível para realizar o Caminho completo ou pelos que querem ter uma experiência do que é caminhar, mas sem sofrer por tantos dias. Centenas de grupos e famílias inteiras tomam as belas trilhas galegas e começam a andar hasta Santiago.
Confesso que no início me incomodei com essa multidão tomando as trilhas, não deixando espaço para caminhar, para o silêncio e o pensar. Como em todo o Caminho, descobri o que aquilo significava. As últimas etapas começam a te preparar para voltar ao mundo.
Aquelas pessoas que carregavam as suas sacolas de academia as costas e caminhando de tênis, e tagarelando em hordas que contrastavam com os peregrinos de centenas de quilômetros com suas grandes mochilas, suas botas de montanha e que caminhavam solitários e em silêncio.
Por mais imerso que estejamos, o Caminho se preocupa em colocar-nos em contato, com o mundo que vivemos, mesmo que ele tenha que encher as trilhas com mais pessoas. Pessoas que mais cedo ou mais tarde teremos que encontrar. Elas são um aviso.
Até essa etapa já temos que ter aprendido como encaramos e como reagimos aos outros. Já não há motivo para irritação. Se eles gritam, correm e fazem algazarra é só porque não vão vivenciar a transformação que vivenciamos ao sair de terras muita além dos Pirineus. Elas não vão passar pela mesma transformação que você, mas fazem parte do seu processo.
Quando cheguei em Ribadisso de Baixo, fiquei num albergue particular com umas 30 crianças e uma grande família espanhola. Quando a mãe descobriu que eu havia caminhado desde San Jean Pied Port, há setecentos e poucos quilômetros dali, ela reuniu toda a família para que eu contasse algumas histórias do Caminho. Me senti como um velho ancião que conta aventuras de terras longínquas para as crianças.
Aquelas crianças deram trabalho para dormir e só se aquietaram depois das onze da noite. Às seis da manhã quando deixei o albergue, nem sinal que eles iriam acordar. Naquele dia andei quarenta e cinco quilômetros, terminando o dia na Catedral de Santiago.
Estes peregrinos fazem etapas leves e andam somente até o meio-dia. Eu seguia a andar, debaixo do sol inclemente de junho. Tive a serenidade de viver com o tumulto das manhãs e com a solidão das tardes para me despedir do Caminho.
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* a grafia está em galego.
foto: Paco Rodriguez (para o La Voz de Galácia)
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