O dia que aprendi sobre humildade

Como todos os dias, eu partia as 6 da manhã. Caminhava devagar junto a aurora e dos peregrinos mais idosos que partiam cedo, para fugir um pouco do sol de verão que já estava chegando na Espanha.

Nesse dia, algo diferente aconteceu. Após caminhar os primeiros 5 quilômetros, senti uma dor intensa no pé direito. Diminui o ritmo da caminhada até praticamente parar. Enquanto os peregrinos de mais idade caminhavam eu ia ficando sozinho pelo caminho.

Senti um certo medo, pois, sabia que poderia simplesmente ter que terminar a viagem ali, como já tinha visto acontecer com alguns peregrinos. Estava numa estrada de terra no meio do nada. A próxima grande cidade estava a 40 km a frente. Durante uma hora arrastei a minha perna direita até chegar ao povoado de Villambista, que estava cerca de 2 km dali.

Parei ao pé da igreja e esperei que os amigos do Caminho que saiam mais tarde passassem por ali, para me ajudarem. Enquanto isso eu acionava o seguro viagem para me arrumar um hospital. Quando os amigos passaram e eu lhes contei o que aconteceu, eles prontamente me ajudaram. Luciano me apoio ate chegarmos ao ponto de ônibus a beira da estrada. Sem a ajuda deles eu não conseguiria chegar ali.

Aguardando o ônibus, chorei. Entendi ali que humildade é a virtude caracterizada pela consciência das próprias limitações, sejam elas físicas ou mentais. Humildade não tem relação com a fraqueza, mas com a resiliência. Olhei para o outro lado da pista e via ao longe os peregrinos seguindo pela trilha. Consciente da minha limitação não havia motivo para se sentir um fracasso.

O ônibus chegou e encontrei muitos peregrinos lá dentro. Alguns debilitados como eu e outros pulando etapas da caminhada. Sentei ao lado de Helena a alemã que encontrei no correio de Pamplona. Ela estava com seu joelho debilitado e não conseguia caminhar. Resolveu seguir de ônibus até que o joelho melhorasse.

Chegando a Burgos arrumei uma hospedagem e fui ao médico que o seguro indicou. Cheguei lá e minha ficha estava pronta, só aguardando minha chegada. O diagnóstico do médico, aliviou minha angústia. Era uma tendinite. Eu deveria repousar mais um dia na cidade e depois poderia voltar ao Caminho. A equipe de enfermagem também tratou das minhas bolhas. Como diz os holandeses, foi Super esse hospital.

Na volta ao albergue Helena e eu resolvemos ir ao supermercado. Cada um levando sua receita exótica de tratamento. Eu comprando absorventes femininos para as bolhas dos pés e ela iogurte para o joelho. Sim, ela colocava o iogurte como compressa nos joelhos. Acredito que tenha funcionado, afinal ela chegou a Santiago.

Voltando a esse dia em retrospecto, percebo que um dos momentos mais críticos de meu caminho, me fez enxergar a beleza da vida. Cada momento difícil, vem acompanhando de muitos dias felizes. Após passar no médico neste dia, eu não tive mais nenhuma dor nos pés o que me permitiu curtir muito mais a jornada.

Vlad

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